segunda-feira, 16 de março de 2009

Clássicos Revisitados 1 - Cidade dos Sonhos.


A primeira vez que eu vi Mulholland Drive foi, como não poderia deixar de ser, no cinema. E saí meio que não sabendo mais onde é que eu estava. Eu tinha ficado impressionando com a narrativa e a força das imagens, mas a trama me deixou completamente perdido. Qual era o sentido de tudo aquilo? Como todo filme que requer interpretações, Mulholland Drive merecia ser visto de novo. E de novo. E de novo. Até que um dia, como que por mágica, eu assisti ao filme e de repente ele estava claro como uma história infantil. E ontem eu vi mais uma vez, quase sem conseguir entender como é que um dia eu pude ter alguma dúvida sobre o que eu estava vendo.


Mulholland Drive conta a história de Betty (Naomi Watts), aspirante a estrela de cinema que vem a Los Angeles em busca de um lugar ao sol. Linda, jovem e talentosa, Betty envolve-se em uma misteriosa trama com uma mulher que perdeu a memória (Laura Harring). Ao ajudar Rita (nome escolhido ao acaso, já que ela não lembra do verdadeiro), elas acabam por se apaixonar, e uma das relações de amor mais intensas do cinema tem início. O que se vê é um film-noir típico, com todo o artificialismo que só Hollywood é capaz de criar. A trama complexa, o emaranhado de situações e personagens, as cores, luzes, figurinos, a maquiagem, o romantismo, os cenários, a beleza estonteante. Tudo nos leva a crer que estamos assistindo a um filme no estilo clássico, onde a aparente confusão vai nos levar a algum lugar, e todo o mistério sobre Rita vai ser revelado no final. Mas então, Betty e Rita vão ao Clube Silencio, onde nada é real. E a ilusão cai por terra.


Agora conhecemos Diane (Naomi Watts), aspirante a estrela de cinema que vem a Los Angeles em busca de um lugar ao sol (que ela não encontra). Nesse ponto da história, ela está sentindo falta da mulher por quem era apaixonada/obcecada, Camilla (Laura Herring), uma atriz de sucesso. Flashbacks que mostram momentos da relação entre as duas mulheres, onde Camilla humilha uma cada vez mais desesperada Diane, têm início. E vemos uma história de desilusão amorosa contada sem requinte, sem glamour, num tom realista e desesperador. Não é mais Hollywood. É a realidade. Diane, não suportando mais a rejeição, encomenda o assassinato de Camilla e depois, carregada de culpa, enlouquece e se suicida.

E assim termina Mulholland Drive.

Mas o que há de genial no filme é que quando os créditos começam a aparecer, somos obrigados a pensar no que acabamos de ver. Qual a relação entre as duas histórias? Por que a segunda parte é carregada de elementos que já apareciam na primeira metade, mas mostrados de forma diferente? Os sonhos não são nada mais do que a mistura de coisas com as quais temos contato durante o dia ou que estão guardadas em nosso subconsciente, com os nossos desejos, medos e anseios. Portanto, a primeira parte de Mulholland Drive é um sonho de Diane. Ou, mais precisamente, uma especulação sobre como seria um sonho de Diane. Aqui, ela se chama Betty, uma nova mulher, uma nova chance. Aqui, a sua amante é dependente dela, ao contrário do que acontece na vida real. E o mais importante: seu sonho é um filme, com toda a idealização da qual só Hollywood é capaz.

A única dúvida que ainda resta quando assisto a Mulholland Drive é: David Lynch faz uma das mais belas homenagens ao cinema ou uma crítica ferrenha à sordidez de Hollywood, onde a beleza só existe na tela (e nos sonhos)?


Com esse post, eu começo a série Clássicos Revisitados. A proposta é escrever textos relativamente curtos sobre alguns dos grandes filmes da história. A frequência vai ser totalmente indeterminada, e baseada apenas na minha vontade de escrever sobre algum filme que eu tenha revisto.

Nenhum comentário: